Educação Financeira por e para Artistas

As vezes é necessário abraçar toda oportunidade que lhe for oferecida e se desdobrar em ser artista, professor, produtor, editor de vídeo, passeador de cachorro simultaneamente para poder ter uma renda básica.

Quando o Sala de Estar me chamou para falar sobre educação financeira me deparei com o desafio de escrever algo que contemple as diferentes realidades de todos que podem chegar nesse conteúdo. Antes de prosseguir, devo fazer algumas ressalvas:

Não trabalho com finanças nem tenho formação no ramo. Comecei apenas muitíssimo recentemente a tentar entender como funciona e como me valer do “mercado” para preservar o patrimônio adquirido com as receitas do meu trabalho. Durante anos tive ojeriza à especulação financeira e guardava meu dinheiro debaixo do colchão, o que não se mostrou uma decisão muito frutífera.

Não acredito muito em auto-determinação. Acredito que o poder do capitalismo de preservar desigualdades é infinitamente maior que qualquer esperança de mobilidade social, e, infelizmente, salvo raríssimas exceções usadas para justificar algum delírio meritocrático, o berço em que você nasce determina o caixão em que você será enterrado.

Adoraria dizer que acredito que existe algo a se fazer, aprender, que possa objetivamente ser empregado para mudar a realidade material de alguém. Infelizmente, parece faltar evidências. Além disso, o que é “sucesso” para mim pode ser algo muito diferente para você.

Tendo dito isso, posso descrever coisas que aconteceram na minha vida que me permitiram ter uma realidade material que me torna apto a sonhar com uma perspectiva financeira para além do amanhã ou do boleto seguinte de condomínio.

Diversificação de renda: como músico, artista, é prudente ter diversas fontes de renda para tentar compensar a eventual instabilidade de oferta de trabalho.

As vezes é necessário abraçar toda oportunidade que lhe for oferecida e se desdobrar em ser artista, professor, produtor, editor de vídeo, passeador de cachorro simultaneamente para poder ter uma renda básica.

A ressalva é que para aumentar o seu valor recebido por hora por alguma dessas funções talvez seja necessário um aperfeiçoamento íngreme. E você não vai ser o melhor passeador de cachorro do bairro se você estiver tendo que desdobrar suas horas produtivas em diversas áreas. Ou seja, há de se contemplar uma realidade em que você se dedica a apenas uma área de conhecimento para se especializar nela e obter um retorno maior, porém, no começo, pode ser que seja necessária uma grande perseverança até que essa única atividade se torne rentável.

Para exemplificar, posso dar meu próprio exemplo. Comecei a trabalhar aos 16 anos de idade como músico de apoio, narcisisticamente movido pelos meus sonhos de ser artista, e, na época, contemplava um futuro onde minha renda viria dos palcos. A partir dos 17, comecei a dar aulas de música, percebendo que seria impraticável ter autonomia financeira apenas com meu trabalho de sideman. Ao longo dessa caminhada, desenvolvi um interesse por produção musical, fiz o curso técnico do IAV e comecei a frequentar estúdios de amigos e colegas trabalhando como músico, dando a cara à tapa, tentando me familiarizar com os conhecimentos relacionados a áudio e produção musical e também me expondo e t(r)ocando com o maior número de profissionais do ramo que podia.

Simultaneamente, visando diversificar ainda mais minhas fontes de renda e me expor a novos desafios, criei uma conta em um site de serviços remotos de áudio e música chamado SoundBetter que me permitiu conectar e trabalhar com profissionais de mais de 30 países onde, remotamente, participei de projetos fonográficos diversos que permitiram aperfeiçoar meu trabalho.

Também continuei atuando como músico de apoio de diversos projetos por pequenos cachês enquanto encaminhava minha formação superior em Música, da qual desisti quando me foi oferecida a chance de ir trabalhar como assistente em um grande projeto audiovisual em um grande estúdio com uma remuneração que até então era inédita pra mim.

Essa oportunidade que me foi oferecida se mostrou um divisor de águas na minha vida, não só pela remuneração, mas também pela oportunidade de exposição a um trabalho de altíssimo nível que me permitiu aperfeiçoar diversas técnicas e consolidar conhecimentos relacionados a áudio e música que já praticava em outros trabalhos, permitindo aumentar volume, qualidade e remuneração pela minha hora de trabalho.

A partir desse momento, com esse conhecimento e experiência adquirida, contatos realizados, pontes novas construídas e uma inédita segurança financeira, pude passar a me dedicar cada vez mais exclusivamente à produção musical, composição e mixagem que hoje são minhas principais fontes de renda como profissional autônomo e que, em um nível pessoal, apesar de derivarem substancialmente do meu sonho inicial de ser artista, me permitem um estilo de vida muito mais adequado para quem sou hoje e que me permitiu trabalhar durante a pandemia 100% remotamente em segurança.

Ponto. Voltando.

Um dos poucos investimentos que podem ser eleitos como responsáveis por alterar a realidade material das pessoas é o investimento em conhecimento e educação.

Com mais educação a respeito de uma atividade, você otimiza as “horas de vôo” necessárias para atingir proficiência naquilo. Investir no aprendizado de outra língua, por exemplo, pode te ajudar a conectar-se com pessoas de outros lugares do mundo que terão ofertas distintas daquelas disponíveis na esfera social em que você nasceu. Se você aprende inglês, por exemplo, você tem mais chances, num mundo digital, de arranjar um trampo com alguém que vai te pagar em uma moeda potencialmente menos arriscada que a de seu país de origem.

A partir do momento que se tem uma renda que excede suas necessidades materiais básicas, é prudente pensar em como reservar esse excedente para um momento de necessidade. Uma estratégia plausível parece ser a de “não deixar todos os ovos na mesma cesta”. Se você tá conseguindo juntar uma grana todo mês, pesquise as alternativas que você tem para preservar seu patrimônio e tentar elaborar um plano a longo prazo. Para mim, o plano é, de alguma forma, tentar poder trabalhar cada vez menos conforme o tempo passar. Tomando em conta sua situação material você pode medir sua tolerância ao risco para elaborar esse plano e saber em quais cestas você vai depositar esses ovos.

Por exemplo, atualmente meu patrimônio está dividido em diversos ativos. Tenho uma parte significativa dele em criptomoedas por acreditar no potencial da tecnologia de mudar nosso sistema financeiro de um modelo centralizado para algo mais seguro, descentralizado e transparente, tirando poderes de grandes corporações como bancos. Tomei essa decisão por, também, ter pouca fé no Real brasileiro como moeda, sendo fruto de um governo ilegítimo e desalinhado com os interesses do povo. Também me pareceu atraente a ideia de ser cético em relação à ideia de moedas fiduciárias nacionais.

Além das cripto, tenho, claro, outras reservas menos voláteis. Tenho uma parte do meu patrimônio em ações, em fundos imobiliários, em renda fixa e outros ativos, além de uma parcela significativa em Real.

É claro que essa alocação é fruto da minha pesquisa e da minha particular tolerância a risco, e, de forma alguma, recomendo que você tome decisões baseando-se na experiência de qualquer outra pessoa que não si mesmo. Dos 18 aos 25 anos mantive, como disse, toda minha renda parada em caixa. Isso fez com que meu patrimônio fosse reduzido por causa da inflação. Não recomendo.

Creio que o ponto final da mensagem que quero passar seja algo que gostaria de ter podido dizer a mim mesmo no primeiro momento que recebi um pagamento por prestar serviços na indústria da música que é, eduque-se e faça um planejamento para utilizar os seus rendimentos frutos de seu trabalho para ter mais qualidade de vida, o que quer que isso signifique pra você.

Às vezes, o melhor investimento pode ser usar o dinheiro adquirido com trabalho para comprar seus próprios equipamentos e dar um upgrade no estúdio para poder atender novos clientes. Pode ser que seja tirar férias de dois meses. Pode ser aprender um novo ofício ou mesmo um hobby. Tudo depende do seu planejamento pessoal e profissional, perspectiva, prazo e seguramente das suas condições materiais.

Enfim, não tenha preguiça ou medo de se informar sobre como utilizar seus rendimentos para trabalharem por você, para que você possa ter perspectiva de ter mais tempo para si mesmo, para empregá-lo como e no que achar melhor.

por Pedro Serapicos

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